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Diário de bordo 4 - A onça não apareceu, mas pegou o jacaré

Joel Leite

01/08/2019 15h20

Dia 4

Trajeto: Refúgio Ecológico Caiman (Pantanal/MS) – Corumbá

Distância: 607 quilômetros

Piso: terra e asfalto

Em um dia debaixo de revoadas incríveis de pássaros no Pantanal, fomos caçar o felino, mas só vimos sua presa destroçada

Um bip frequente e baixinho alerta que Gaia está entre nós. Xipa, motorista da picape que nos leva pelo Pantanal, acelera. João, o guia, biólogo, aumenta o volume do rádio comunicador ligado à antena que capta a presença de Gaia – dela e de seu filhote. Gaia é filha de Esperança, também chamada de Grande Mãe. São três gerações de onças monitoradas pelo Onçafari, projeto de preservação do felino tocado pelo Refúgio Ecológico Caiman, no sul do Pantanal, Mato Grosso do Sul.

A frequência do bip aumenta. Gaia e a cria de quatro meses estão ali.Mas invisíveis, provavelmente descansam no meio de um capão. Havíamos saído uma hora antes da sede do refúgio. Avistara onça era nosso maior gol, mas a gigante planície alagada tem tanto bicho queo maior felino das Américas pode esperar.

O desfile animal pelo Pantanal começou com a revoada de uma dúzia de araras-azuis. A espécie esteve à beira da extinção, mas um projeto de recuperação, também tocado pela Caiman, colocou a ave nos céus de novo.

O próximo a se apresentar no palco do cerrado foi a ave símbolo do pedaço, sua excelência o tuiuiú. A maior ave voadora do Brasil pousou meio desengonçado em uma área alagada e começou a escarafunchar o fundo em busca do café da manhã. Apesar do tamanhão e da envergadura, que pode chegar a três metros de asa a asa, a decolagem foi fácil e de uma elegância improvável.

 

O desfile aéreo continuou com gaviões caramujeiros, carcarás, falcões,seriemas, aracuãs… Na terra é que a safra não estava farta. Mas só até uma parada em outra grande área alagada. Um jacaré. Dois jacarés. Três. Trinta e nove(mais ou menos) jacarés . Bicho pré-histórico. Sereno. Não se mexe. Imóvel. Estátua. Na terra, é lento, mas vira flecha debaixo d'água. Um pouco adiante, o cheiro forte antecipa um bando de queixadas, que dá no pé quando nos aproximamos. Uma turma de veados-campeiros aparece tranquila perto de um dos hotéis existentes no refúgio.Mas e a onça?

 

Damos mais uma volta em busca de Gaia ou de qualquer uma das 140 onças que zanzam pela Caiman. Antena em riste. Bips voltam a ser ouvidos. O carro se aproxima do capão. "Ali, ali." "Onde, onde?" "Eu vi, eu vi". Sim, Diego Zani, nosso cinegrafista, e a guia viram a onça. Só eles. E apenas uma parte dela. "Acho que era a traseira", explica Zani. Logo adiante, um jacaré destroçado. Sobraram apenas a cabeça, parte da coluna vertebral, um teco do rabo e pedaços do couro. "O ataque deve ter sido ontem à noite ou no máximo agora pouco, pela manhã", diz João. Amyr se aproxima da vítima e monta o quebra-cabeça: coloca na ordem. Cabeça-coluna-rabo.

 

Amyr se cansa. Quer irvisitar um amigo – pensa em uma pessoa para ter amigos em todo canto do mundo. Depois do almoço, seguimos a bordo do WR-V para uma fazenda a cerca de uma hora de viagem. Terra, buraqueira, costela de vaca, valetas… O SUV da Honda segue tranquilo até a fazenda onde Amyr encontra o amigo, Ruy Frota, o administrador da imensa propriedade que, sem exagero, deve ser maior que Sergipe.

 

Hora de tocar para a estrada. Rumo Corumbá. BR 262. Um radar atrás do outro, apesar da estrada vazia – ninguém nem indo nem vindo. Minutos depois de passar sobre o rio Paraguai, Corumbáaparece. No hotel Nacional, encontramos Marcelo Leite e Libera Costabeber. Ela conta que horas antes deu de cara com um jacaré na pista. "A coragem – que preciso ter para fazer o rali dos Sertões e para encarar viagens como essa – desapareceu. Não consegui passar. E se ele sai correndo atrás de mim." Libera desceu da X-ADV e a empurrou para ultrapassar o réptil.

 

Estamos a dois passos da Bolívia. Amanhã, estaremos lá.

Veja como foi o primeiro dia da viagem

Veja como foi o segundo dia da viagem

Veja como foi o terceiro dia da viagem

 

Fotos: Érico Hiller

Joel Silveira Leite

Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.

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