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A grande piada do preço do carro importado no Brasil

Joel Leite

16/08/2012 18h36

-‑ Após reportagem da Forbes, importadores "abrem" planilha e culpam os impostos.
— Carros do Mercosul, do México e feitos no Brasil teriam larga margem de lucro.
— Há muita gordura pra queimar: governo reduz impostos e montadoras remetem lucro para o exterior

O presidente da Abeiva, a associação dos importadores, Flavio Padovan, fez as contas para mostrar que a principal razão do alto preço do carro no Brasil é a excessiva carga tributária, em resposta à reportagem da revista Forbes, que em sua versão on line atacou o preço excessivo cobrado no Brasil pelos carros importados.

A reportagem humilha o consumidor brasileiro: "Pagar R$ 179 mil, ou US$ 89,5 mil por um Jeep Grand Cherokee é "ridículo", escreveu Kenneth Rapoza. "Foi mal, Brazukas… não há status em um Corolla, um Civic, um Grand Cherokee ou um Durango. Não se deixem enganar pelo preço. Vocês estão definitivamente sendo roubados. O que você diria se um colega americano lhe dissesse que pagou US$ 150 por um par de Havaianas?" (Veja matéria).

Como a referência do jornalista foi para o carro importado, Padovan fez questão de mostrar que o preço alto cobrado pelas marcas do segmento ocorre em razão do tratamento diferenciado em relação aos carros produzidos no Brasil.

Pelas contas do dirigente, um carro com motor acima de 2.0 supostamente comprado por R$ 100 mil no exterior (preço FOB = de fábrica + frete) é vendido no Brasil por R$ 343,2 mil.

Desse valor, segundo ele, apenas R$ 14,4 mil (ou 7,5%) ficam com o importador, como margem de lucro. Bruta. O resto é imposto, taxa e lucro do distribuidor.

Alíquota de importação: R$ 35 mil
Despesas aduaneiras: R$ 3 mil
Cofins, PIS e ICMS: R$ 54 mil
Total parcial: R$ 192 mil
IPI (25% + 30%) s/parcial: R$ 105 mil
Margem do importador: R$ 14,4 mil
Margem do concessionário: R$ 31,2 mil

Preço final: R$ 343,2 mil

Se as contas estiverem corretas, tem concessionária pagando para trabalhar, pois muitos carros importados são vendidos a preço abaixo da tabela, com descontos que se aproximam da estimada margem de lucro. Como não é possível deixar de pagar o fornecedor e nem os impostos, a única possibilidade de reduzir o preço final é abrir mão da margem de lucro.

Em alguns casos, como o Malibu, da GM, o desconto é maior do que a margem de 7,5%, conforme pesquisa Molicar:

Malibu
Preço oficial: R$ 99,9 mil
Margem (*):  R$ 7,425 mil
Restariam: R$ 92,376 mil
Preço praticado: R$ 90 mil
Prejuízo (?): R$ 2,376 mil

Além do Malibu, outros carros importados são vendidos com desconto, o que reduziria a margem de lucro do importador, casos do Tribeca, do Jimny e do 308 Cabriolet.

Subaru Tribeca
Preço oficial: R$ 155 mil
Margem prevista (*):  R$ 11,625 mil
Restariam: R$ 143,375 mil
Preço praticado: R$ 145 mil
Margem reduzida: R$ 1,625 mil

Suzuki Jimny
Preço oficial: R$ 54,79 mil
Margem prevista: (*) R$ 4,109 mil
Restariam: R$ 50,681 mil
Preço praticado: R$ 52 mil
Margem reduzida: R$ 1,319 mil

Peugeor 308 Cabriolet
Preço oficial: R$ 129,99 mil
Margem prevista (*): R$ 9,749 mil
Restariam: R$ 120,241 mil
Preço praticado: R$ 125 mil
Margem reduzida: R$ 4.759 mil
(*) 7,5%, segundo a Abeiva
Preços com IPI cheio (sem considerar os descontos que vão até 31 de agosto)

Seguindo o mesmo raciocínio, a margem de lucro dos carros importados do Mercosul e do México – que não pagam alíquota de importação (R$ 35 mil) e nem o IPI especial de 30% (R$ 30 mil) – teria um adicional de R$ 65 mil num carro cujo preço de custo fosse R$ 100 mil, como no exemplo da Abeiva. Somada aos 7,5% "oficiais" a margem total seria de R$ 79,4 mil (R$ 65 mil + R$ 14,4 mil).Além do Malibu, outros carros importados são vendidos com desconto, o que reduziria a margem de lucro do importador, casos do Tribeca, do Jimny e do 308 Cabriolet.

Já o carro fabricado no Brasil, que além de não recolher alíquota de importação e nem o IPI especial, também não paga (obviamente) despesas de importação: frete (estimado em R$ 1 mil da Europa) e taxas aduaneiras (R$ 3 mil), teria uma margem de lucro ainda maior, de R$ 83,4 mil.

A carga tributária não explica, por si só, os absurdos preços do carro vendido no Brasil, assim como o chamado Custo Brasil – que inclui insumos, energia, logística e demais custos de operação.

Ambos – impostos e custos – ampliam o preço final, mas, como já mostramos aqui, é o Lucro Brasil o maior responsável pelas distorções de preços no mercado brasileiro.

Não há carga tributária ou custo de operação que expliquem uma diferença de preço tão grande. O preço do carro no Brasil é alto em relação aos países do Primeiro Mundo e também em relação aos países subdesenvolvidos.

Veja o comparativo do preço do Toyota Corolla no Brasil, na Argentina e nos EUA, conforme a Acara, a associação dos fabricantes de veículos da Argentina.

Toyota Corolla
Nos EUA: US$ 15,5 mil
Na Argentina: US$ 21,6 mil
No Brasil: US$ 37,6 mil

Veja outros exemplos de grande diferença de preços no Brasil e no exterior:

Volkswagen Jetta
No México: R$ 32,5 mil
No Brasil: R$ 65,7 mil

Mercedes ML
No Brasil: R$ 265 mil
Nos EUA: R$ 75 mil

Kia Soul
No Paraguai: US$ 18 mil
No Brasil: US$ 33 mil

Mesmo carros feitos no Brasil, como o Gol E-Motion, da Volkswagen, é (muito) mais barato no exterior

Volkswagen Gol E-Motion
No Chile: R$ 29 mil
No Brasil: R$ 46 mil

GORDURA PARA QUEIMAR
A indústria argumenta que a margem de lucro é muito pequena. Diz que ganha no volume, considerando todo o catálogo de produtos, mas em alguns casos – como em determinados modelos populares – chegaria a ter prejuízo.

As montadoras instaladas no Brasil reclamam, mas quem está fora quer vir pra cá. Cada vez é maior o número de empresas interessadas em atuar no mercado brasileiro, que apesar das crises continua crescendo e tem um potencial que já não existe nos mercados maduros.

E se ganhar dinheiro no quinto maior mercado do mundo, que tem um consumo de 3,5 milhões de unidades é tão difícil, o que essas empresas estariam fazendo em países com mercados infinitamente menores, como Chile, Colômbia, Venezuela?

Mas a necessidade de enfrentar a concorrência leva as montadoras a estabelecer uma estratégia de redução dos preços, o que vem acontecendo nos últimos anos por pressão do mercado.

O estudo AutoInforme Molicar  mostra que o preço do carro OK está em queda. No ano passado o preço médio do setor de carros e comerciais leves caiu 0,14% e no primeiro semestre deste ano houve mais uma queda, de 3,76%.

Mas se a montadora já trabalhava com uma margem apertada, como consegue reduzir o preço final e continua remetendo milhões de dólares para as suas matrizes?

A maioria dos preços dos carros básicos caiu nos últimos anos e nem por isso as fábricas quebraram.

A Fiat baixou o preço do Siena EL em R$ 2.850,00 e, obviamente, continua tendo lucro. O Fiesta custava em torno de R$ 41 mil. Com a chegada do JAC J3, que veio com ar-condicionado, direção hidráulica, vidros elétricos, air bag e ABS por R$ 37,9 mil, a Ford abriu mão de R$ 3 mil da margem de lucro: baixou o preço para os mesmos R$ 37,9 mil do JAC.

Também nesse caso, mostrou que a margem de lucro poderia ser reduzida, mas se não fosse pressionada pela concorrência manteria o preço. Detalhe: a redução só ocorreu nas duas maiores cidades do País, São Paulo e Rio, onde a concorrência é mais atuante. Nas demais praças, onde a JAC não tem uma atuação agressiva, o consumidor continua pagando pelo Fiesta o preço inchado R$ 41 mil.

A Volks fez a mesma coisa com o Voyage e o Fox, baixando o preço para enfrentar a concorrência, assim como outras marcas.

Isso mostra que tem muita gordura pra queimar. Mesmo assim, quando a situação econômica impõe dificuldades, as montadoras pedem socorro e são atendidas pelo governo.

Desde a crise em 2008 o Brasil socorreu por duas vezes o setor, abrindo mão de R$ 26 bilhões em impostos. Foram criadas no mesmo período 23,7 mil vagas de trabalho, isto é: o custo de cada vaga foi de R$ 1 milhão em renúncia fiscal. E nesse mesmo período as montadoras instaladas no Brasil enviaram às matrizes no exterior lucro de R$ 14,6 bilhões.

Joel Leite

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Joel Silveira Leite

Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.

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