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Moda em SP, reúso de água é praxe na indústria

Joel Leite

14/04/2015 17h16

– Dotadas de poderosas estações de tratamento, montadoras chegam a recuperar 99% da água usada no processo produtivo

Estação de tratamento d'água da Fiat, em Betim

Incomodada com a recente crise de abastecimento de água em São Paulo, a balconista Célia Maria Pereira passou a recolher a água da chuva e a usar a água da máquina de lavar para lavar o quintal de casa. No fim do mês veio a compensação: a valor da conta de água caiu quase pela metade.

"Não sabia que a economia era tanta", surpreendeu-se a moça, que agora estabeleceu regras na casa: ao primeiro sinal de chuva inicia-se uma correria atrás de baldes e vasilhas para não deixar escapar o chamado precioso líquido.

A atitude de Célia estimulou o uso consciente da água em todos os moradores da casa, que passaram a economizar na cozinha, no tanque, no banheiro, no quintal.

A crise de abastecimento fez as pessoas repensarem o uso da água e estimulou o reúso, coisa que boa parte da indústria já faz há muito tempo.

Criado em fevereiro de 2014, o incentivo à redução do consumo de água já poupou quase 100 bilhões de litros no período, segundo a Sabesp, volume suficiente para atender um milhão e meio de pessoas. Mas o assunto só começa agora a ganhar espaço no dia a dia do usuário comum, que sempre viu a água como um bem natural e infinito.

Grande consumidora, a indústria automobilística tem no reúso da água um dos pilares da política de sustentabilidade. Algumas fábricas já atingiram níveis de reúso extraordinários, com o reaproveitamento de 99% da água utilizada na produção de veículos.

Parte da estação de tratamento d'água da Volkswagen, em São Carlos

Praticamente todas as montadoras fazem do reúso da água não apenas um mote para conquistar o selo ambiental ISO 14001 e ficar bem na fita, mas para reduzir despesas, conforme veremos mais adiante.

O consumo de água na indústria automobilística caiu expressivos 29% em três anos. Dados da Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos, indicam que cada carro produzido no Brasil gastava, em 2008, uma média de 5,5m3 de água. Em 2011, o gasto foi reduzido para 3,9 m3 por unidade.

A Toyota é uma das empresas que puxa esse índice para baixo: no ano passado a marca japonesa gastou apenas 2,12 metros cúbicos de água por carro fabricado, reduzindo o índice que era de 2,81 m³/veículo em 2012. Entre as iniciativas, a fábrica eliminou o banho de água deionizada e melhorou o sistema de spray da pintura, além de captar água de chuva para uso nos sanitários.

Como se sabe, a cabine de pintura é uma grande consumidora de água no processo de produção de veículos. Daí os esforços da indústria em aperfeiçoar o sistema para fazer economia. Atualmente a Scania faz estudos para redução do tempo dos banhos das cabinas dos caminhões na cabine de pintura. O objetivo é reduzir de 5,9 minutos para 4,6 minutos. A medida vai reduzir em 25% o consumo de água e, de quebra, mais 30% de redução no consumo de eletricidade.

O reúso de água é parte de uma atividade mais abrangente: o uso racional da água, que inclui o controle dos desperdícios e a redução da produção de efluentes.

Sistema de tratamento de efluentes líquidos

Assim, muitas fábricas tratam a água usada na produção, reduzindo o consumo e os gastos com a conta de água. Em alguns casos, a água tratada é devolvida à natureza, jogada nos cursos d´água às vezes mais limpas do que quando foi captada.

O reúso provoca também a redução do consumo de água potável e a destinação de água de qualidade inferior para atividades menos nobres, como limpeza de galpões e uso em jardins.

No final dos anos 1990 a Fiat investiu cerca de R$ 10 milhões na construção de um sistema de recuperação e reúso da água utilizada na produção dos veículos em Betim. Foi um investimento pesado, mas rapidamente amortizado. Em menos de três anos, com a redução do custo da conta de água, o investimento já estava pago.

Para se ter uma idéia do que essa recuperação representa para a natureza, saiba que o consumo da empresa na época em Betim era equivalente ao de uma cidade de 300 mil habitantes.

O Complexo de Tratamento de Efluentes Líquidos, que permitiu o reúso de 99% da água, é feito pelo sistema de membranas (MBR) e osmose reversa. – A tecnologia MBR funciona como um filtro que deixa passar, através das membranas, somente água, alguns íons e moléculas de baixo peso molecular, barrando os sólidos e bactérias. Já a Osmose Reversa funciona como uma membrana semipermeável que absorve o sal e componentes nocivos à saúde humana.

A empresa praticamente eliminou a captação da água potável da rede pública para o uso industrial e uma economia que corresponde, em valores, ao abastecimento de uma cidade de 30 mil habitantes.

Atualmente a fábrica da Fiat traçou o objetivo de ampliar o reúso de 99% para 99,4%, além de reduzir os desperdícios e inserir novos processos com consumo menor de água na produção. Até o vapor d'água gerado pelos sistemas de compressores de ar é reaproveitado: o "suor das máquinas" gera uma economia de quatro mil litros por hora. Essa água é reaproveitada no sistema de resfriamento dos próprios compressores.

O cuidado com a água nas fábricas de veículos é condição primordial para a obtenção do ISO 14001, a certificação ambiental mais conhecida no mundo e que implementa sistemas de gestão ambiental nas organizações visando sua conformidade com a realidade do empreendimento. Esta norma internacional ajuda a reduzir o impacto ambiental de empresa e é uma referência pública do cuidado com o meio ambiente.

Mas muitas organizações têm sua própria certificação, com objetivos de redução do impacto ambiental mais rigoroso que a norma oficial. A Honda aplicou no Brasil o conceito mundial da empresa chamado Green Factory. O programa prevê redução de consumo em todas as suas fábricas no mundo. A Estação de Tratamento de Água da fábrica de Sumaré, com capacidade diária de 720 mil litros, é parte desse processo.

Poço artesiano é muito usado para captação d'água da chuva

 

Após a utilização da água ns linhas de produção, os efluentes são tratados antes de serem lançados ao meio ambiente. Todos os efluentes (da produção, dos refeitórios e dos sanitários) passam por um processo bioquímico de purificação. Parte da água é direcionada à irrigação e parte é devolvida para o Ribeirão do Quilombo.

Na fábrica de motos em Manaus, a água é captada em poços e, após usada na produção, é submetida a um tratamento físico-químico e biológico. Passa por desinfecção e segue para a lagoa de estabilização, onde uma parte é usada na irrigação dos jardins da fábrica e outra volta para a natureza, lançada no Igarapé do 40.

A Ford atingiu dois anos antes do previsto as metas traçadas de redução do consumo de água em suas fábricas, estabelecidas como estratégia global em 2000. O Brasil contribuiu para esse resultado com várias ações, especialmente a intensificação do reúso de água nos processos industriais. Na fábrica de Taubaté, em São Paulo, a água dos processos industriais é reciclada e abastece um lago que abriga aves nativas. Na fábrica de Camaçari, na Bahia, o esgoto é tratado por processo ecológico para reúso na rega dos jardins.

Neste ano o plano é reduzir em mais 2% o uso de água, conforme o 15º Relatório Anual de Sustentabilidade da empresa e vai começar a trabalhar em conjunto com seus fornecedores para obter reduções de uso de água.

Na fábrica da Hyundai de Piracicaba, o sistema de uso de água é do tipo "fechado", isto é, a água captada fica circulando pela fábrica, sem retornar ao meio ambiente. Para outras atividades que demandam captação, a Hyundai reduziu praticamente a zero a coleta a partir do rio Piracicaba.

Em Anápolis, a Hyundai Caoa tem uma estação de tratamento de resíduos e a água potável é usada apenas para fins nobres, o que contribui para a preservação dos recursos. A água reciclada serve para uso nos banheiros e na irrigação das áreas verdes. Também é tratada com a tecnologia por membranas de ultrafiltração, com capacidade de tratamento de 55 mil litros/hora. A redução de consumo em 2014 foi de 30% em relação ao período de estiagem de 2013.

Em Catalão, a Mitsubishi faz captação e armazenamento da água da chuva, recolhida dos telhados dos galpões da fábrica e a empresa faz campanhas de uso responsável de água junto aos funcionários. A nova cabine de pintura foi projetada para reduzir ao máximo o uso de água na operação.

Quase todas as montadoras de veículos utilizam água de poços artesianos na produção. Outras, como a Nissan, também usam água de fontes naturais. A marca japonesa capta água do rio Paraíba para uso na fábrica de Resende e, após o uso no processo produtivo, é tratada e devolvida à natureza.

A Mercedes-Benz mantém estação de tratamento de efluentes em São Bernardo do Campo, assim como a General Motors em suas unidades no País. No total, a GM, com seus processos de tratamento, evita o consumo de água potável e faz o reúso de mais de 225 milhões de litros por ano. Produzindo na região na fábrica da PSA, Citroën e Peugeot têm como prioridade em seus programas de gestão ambiental a redução do uso de recursos naturais.

A crise de abastecimento está fazendo despertar em parte da população a consciência de que os recursos naturais do planeta são finitos e portanto devem ser preservados. Além de contribuir para a construção de um mundo mais solidário e sustentável, ações como Redução, Reaproveitamento e Reciclagem colocam os "três erres" na ordem do dia.

Não se trata de diletantismo em defesa do meio ambiente, mas de uma ação que visa a economia de preciosos reais. Que diga dona Célia Maria, que está economizando na conta da água, e principalmente a indústria automobilística, que, com suas ações ambientais, reduz os custos de produção, aumenta a margem de lucro e melhora a imagem junto ao consumidor.

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Joel Silveira Leite

Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.

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