Água que passarinho não bebe. Nem gente.
Joel Leite
06/02/2018 14h30
Depois de beber água da nascente, fomos de Aircross conhecer as cidades que mais sofrem com a poluição do Tietê
A queda d´água que dá nome à cidade de Salto, a 100km a Oeste de São Paulo, viveu – e ainda vive – uma situação parecida, guardadas as proporções. Um sem número de contaminantes levados pelas águas do rio Tietê contribuíram para a quase exterminação do taperá, ave símbolo da cidade, que fazia seus ninhos nas encostas da cascata, desenhando cenários encantadores com suas revoadas nos finais de tarde.
A poluição trazida de São Paulo pelo rio silenciou o canto do tapera, acabou o salto dos dourados que subiam o rio na piracema e com a serenata que envolvia os casais apaixonados passeando pela ponte pêncil e namorando na ilha do Amor, hoje entregues quase ao abandono, devido ao mau cheiro e ao triste visual do lixo acumulado nos remansos. As então águas cristalinas da cachoeira não alimentam mais, nem homens, pássaros.
Salto, Pirapora de Bom Jesus e Santana do Parnaíba pagam o preço do descaso que a população do Baixo Tietê tem em relação ao lixo que jogam nas ruas e ao esgoto despejado diretamente do rio. As três cidades recebem as poluídas águas do rio que passam no centro de cada uma delas e têm que buscar abastecimento longe (Salto é abastecida com águas dos ribeirões Piraí e Buru) e foram visitadas nesta segunda etapa da Expedição Rio Tietê, que estamos fazendo a bordo do Citroën Aircross. A primeira etapa foi uma visita à nascente do Tietê, onde bebemos água pura do rio. Veja aqui.
Da mesma forma que muita gente dá a descarga e pensa que resolveu o problema, a cidade de São Paulo ignora as consequências da poluição que provoca, transformando o Tietê no condutor do lixo para cidades do interior, que acabam pagando pelo desprezo, desrespeito e incompetência dos gestores dos municípios da grande São Paulo.
Em artigo publicado pelo Portal ECOInforme ("O lixo não é só meu, ele é nosso"), o secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Maurício Brusadin, diz que nós nos acostumamos a colocar o lixo na porta e dar o assunto como encerrado.
"Uma das primeiras coisas que devemos pensar é que o lixo que eu produzo não traz consequências apenas para a minha vida. O problema do lixo não é individual, ele é de toda a sociedade. Da mesma forma, as cidades estão começando a entender e perceber que o lixo que ela produz não traz transtornos apenas para a sua população".
Ele tem razão. Esperamos que, na condição de autoridade máxima do assunto no Estado, tome medidas no sentido de fazer os produtores de lixo arcarem com suas responsabilidades e não deixarem as populações, especialmente de Salto, Pirapora e Santana do Paraíba, pagar o preço pelo desleixo dos outros.
Ambientalista João Di Conti, secretário do meio ambiente da Prefeitura de Salto na gestão anteriorO impacto que a poluição do rio provoca no turismo é enorme, disse à nossa reportagem o ambientalista João Di Conti, secretário do meio ambiente da Prefeitura de Salto na gestão anterior, ele que promoveu, em 2014, a primeira limpeza do rio no centro da cidade, com o recolhimento de 30 toneladas de detritos acumuladas nos remansos que se formam na região da cascata.
"Com a crise hídrica, as águas do rio baixaram e a poluição ficou ainda mais evidenciada. Em mutirão, retiramos tudo o que você imagina do rio, desde garrafas pet até cama, estofado, pneus etc. Mostramos que é possível fazer quando se tem vontade".
Di Conti disse que a prefeitura planejava a construção de uma usina para gerar energia a partir do lixo, uma vez que o material recolhido não poderia ser aproveitado para reciclagem, pois estava totalmente contaminado.
Visualmente, o Tietê continua lindo. As paredes coloridas das casas que margeiam o rio em Pirapora refletem as cores na água, num visual que lembra aos pequenos vilarejos da Itália, no Mediterrâneo. A queda d´água em Salto oferece um visual esplendoroso, assim como o Tietê que corta o coração de cidade de Santana de Parnaíba.
Di Conti lamenta que Salto não possa aproveitar melhor sua condição de estância turística: além da cascata, a cidade tem áreas paradisíacas banhadas pelo Tietê, como Parque do Lago e o Parque da Rocha Moutonnée, mas a tristeza toma conta da gente quando o cheiro incomoda, a poluição atinge a mucosa, irrita os olhos, dificulta a respiração, provoca dor de cabeça. Como relaxar com esse fedor no nariz?
O jeito foi curtir só o visual, fechar os vidros do Aircross, ligar o ar condicionado e usufruir do conforto dentro do carro, sonhando com o dia em que o discurso sair do papel e nós tomarmos coragem de por um fim na destruição que provocamos ao ambiente em que vivemos.
Um passeio pela Rota dos Romeiros
Apesar disso, o passeio pela Estrada dos Romeiros, que margeia o Rio Tietê de Araçariguama a Cabreúva é uma gostosa aventura para ser feita num só dia, ida e volta. Saindo de São Paulo pela Rodovia Ditador Castello Branco, entre no km 25,3, logo após o posto da Polícia Rodoviária, na região de Alphaville. São 28 km até Santana do Parnaíba e mais 13 km até Pirapora, onde é possível fazer uma visita ao Portal da Cidade, comprar produtos da feira e visitar o comércio local, além de conhecer o Santuário do Bom Jesus de Pirapora, na praça da Matriz.
De Pirapora a Cabreúva, cuidado com os ciclistas. Nos fins de semana eles lotam a estrada, pedalando em grupos, na mesma pista em que rodam os carros, já que não há acostamento.
O cuidado com os ciclistas e o traçado na estrada, com suas curvas fechadas e constantes, recomenda velocidades baixas o tempo todo, mas ainda assim foi uma boa experiência ao volante do Aircross, quando pudemos avaliar a sua suspensão e o bom comportamento do carro em curvas.
Já chegando em Cabreúva, vale uma visita ao alambique Rainha da Praia, o último dos alambiques de uma região que foi grande produtora de cachaça artesanal. A Estrada dos Romeiros era uma verdadeira rota da cachaça, mas os 38 alambiques foram fechando e o Rainha ficou sozinho para contar a história. Além da cachaça – versões envelhecidas na amburana e na cabreúva – o alambiqueiro Jair Sachi oferece grande variedade de doces, compotas, licores e rapaduras, além de um bom peixe frito e comida caseira.
Roteiro dos Bandeirantes
O Roteiro dos Bandeirantes é um circuito de cerca de 180 quilômetros, passando por sete cidades:
Araçariguama: era apenas um ponto de passagem para os bandeirantes que seguiam em direção à Itu e Jundiaí.
Santana do Parnaíba: tem eventos culturais, alambiques, festas populares – dramatização da Paixão de Cristo.
Pirapora do Bom Jesus: destino de romeiros, perdendo apenas, em número de visitantes, para Aparecida. Em 1725 foi encontrada a imagem do Bom Jesus, padroeiro da cidade, apoiada numa pedra do Rio Tietê. Hoje a estátua está abrigada dentro da Igreja da cidade, aberta para visitação pública.
Salto
Itu
Porto Feliz
Tietê
História
Os sertanistas, que foram chamados "bandeirantes", abriam caminhos desbravando o interior em busca de pedras preciosas e conquista de novas terras, contando para isso com a ajuda involuntária dos índios.
É dos bandeirantes o mérito da expansão do território brasileiro além do Tratado das Tordesilhas, conquistando parte da região Centro-Oeste, quebrando o acordo da Coroa Portuguesa com a Espanha e dando ao Brasil a forma que tem hoje. É também dos bandeirantes a responsabilidade pelos impactos desastrosos sobre as tribos indígenas da região, dizimadas pelas doenças levadas pelo homem branco, pela escravidão, pela guerra e pelo controle cultural.
Os primeiros bandeirantes eram grupos formados por brancos, caboclos e índios; eles não eram senhores de terra e não podiam comprar escravos negros, daí a "necessidade" de usar o índio como escravo, ele que conhecia a região inóspita.
Portanto, mais do que a ampliação do território colonial brasileiro, os bandeirantes foram responsáveis pela escravidão indígena, o combate aos quilombos e a descoberta das minas de ouro, esmeraldas e diamantes. E nas suas andanças formavam pequenos povoados ao longo do rio Tietê, que em seguida foram transformados em cidades ao longo do rio em direção à foz.
Os bandeirantes foram despertados pelas histórias sobre minas de ouro e prata contadas pelos índios e esperavam encontrar jazidas como às exploradas por Francisco Pizarro, que conquistou o Império Inca e saqueou as minas de ouro e prata, especialmente em Potosi, hoje território boliviano, levando toneladas de minério para a Coroa Espanhola. Em "Veias Abertas da América Latina" Eduardo Galeano conta com maestria a história do saque de ouro e prata no continente pelos espanhois.
A visita às cidades do Médio Tietê é um daqueles passeios que você pode fazer com a família em apenas um dia, ou num fim de semana, aproveitando a boa estrutura hoteleira e gastronômica da região, que foi palco de grandes eventos da nossa História.
A bordo do Citroën Aircross, visitamos a região e não gastamos um tanque de combustível.
Vamos encerrar a expedição pelo Tietê com uma visita à foz do mais importante rio paulista, no Paranazão, divisa com o estado do Mato Grosso.
Joel Silveira Leite
Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.
O Mundo em Movimento
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