Para o consumidor brasileiro, a tecnologia é opcional
— Pressão das montadoras faz governo recuar nas exigências; brasileiro vai continuar comprando carros obsoletos.
Mais uma vez o governo se submete aos interesses da indústria automobilística e com isso prejudica o consumidor. Se aceitar a pressão das montadoras para adiar a obrigatoriedade do freio ABS e dos airbags frontais em todos os carros produzidos no Brasil a partir de 1º de janeiro, o governo vai adiar também uma provável redução de feridos graves e mortes no trânsito.
Airbag e ABS são equipamentos básicos de segurança; fazem parte da maioria dos carros fabricados no mundo, inclusive no Brasil. Só uma pequena parte da produção brasileira é que não tem esses equipamentos, justamente carros defasados tecnicamente, projetos antigos, superados, que deveriam estar fora de linha há muito tempo e que só sobreviveram até hoje porque a lei não exigia o mínimo de segurança.
O argumento do governo é de que, ao receberem ABS e airbags, os carros ficariam mais caros e isso prejudicaria o mercado: as concessionárias venderiam menos e os consumidores estariam limitados no seu poder de compra.
Ora, esses carros já custam muito caro pelo que oferecem. Imagine uma Kombi, um projeto de mais de 60 anos, com todo o desenvolvimento e ferramental pagos há décadas, talvez o carro mais inseguro do mundo, custando R$ 47 mil? E um Uno, que já está há anos na sobrevida, ele que foi lançado no longínquo 1984, pelo preço de R$ 22,5 mil?
A grande concorrência existente hoje no mercado brasileiro (são 49 marcas disputando a preferência do consumidor) fará com que os fabricantes se comportem em relação aos aumentos de preço, sem repassar o custo dos equipamentos ao preço final. Há tempos que as montadoras não conseguem aumentar o preço do carro por causa da grande concorrência. O preço praticado do carro zero tem caído nos últimos anos, conforme informação da Molicar. Em 2013, de janeiro a novembro, houve uma alta de apenas 0,73% período em que a inflação de São Paulo, medida pelo IPC da FIPE, foi de 2,74% (veja gráfico).
A Fiorino velha, que a Fiat já na anunciou o fim de linha, custava R$ 38 mil. A nova, lançada na semana passada com air bag e ABS, custa R$ 38.540,00, ou apenas R$ 500 a mais. É claro que as montadoras não vão repassar todo o preço que cobravam desses itens de segurança para a linha 2014. Não podem fazer isso, pois correriam o risco de perder mercado para modelos mais modernos, ou ainda enfrentar alguns importados que chegaram equipados com esses e outros itens e oferecem portanto mais valor agregado ao consumidor pelo mesmo preço. Além disso, o custo desses equipamentos para a montadora é baixo. Segundo o Latin NCAP, entidade uruguaia que promove e avalia a segurança veicular na América Latina, o módulo de airbag frontal duplo, instalado, custa US$ 70 para a fábrica (veja matéria aqui no Uol Carros).
Como qualquer produto, o automóvel vai sendo modernizado com o tempo, a indústria desenvolve equipamentos de segurança e conforto que passam a integrar os novos modelos. No Brasil, no entanto, em muitos casos essa tecnologia é apartada do projeto e oferecida como um equipamento "extra". O ABS nada mais é do que uma parte do sistema de freio, um item que torna o equipamento mais eficiente. É portanto parte integrante do sistema de freio. Mas é vendido como opcional.
Para o consumidor brasileiro, a tecnologia é opcional. Quer ter um carro moderno? Pague por fora. O preço do carro brasileiro (aquele mesmo, que é o mais caro do mundo – veja reportagem LUCRO BRASIL) não inclui os mais básicos dos sistemas de segurança.
A indústria que reclama hoje do gasto que vai ter para colocar airbag e ABS nos carros agora é a mesma que, há 15 anos, também considerava dispensável o retrovisor do lado direito. Isso mesmo: até 1998 o retrovisor do lado direito era um item "opcional" em muitos carros fabricados no Brasil. Você tinha que pagar à parte. Só após essa data, por imposição da lei, é que as montadoras passaram a equipar todos os seus carros com esse banal item de segurança.
Outro aspecto que deve ser analisado é que a legislação que obriga o airbag e ABS para carros de passeio e comerciais leves já vem sendo cumprida há três anos. As montadoras não foram pegas desprevenidas; essa é a etapa final do cumprimento da legislação, que obrigaria, a partir de 1º. De janeiro próximo, 100% dos carros equipados com esses sistemas de segurança. Porque 80%, talvez 90%, já têm os equipamentos.
Surpresa mesmo é o governo mudar as regras aos 45 minutos do segundo tempo. Capaz de a Volkswagen fazer o relançamento da Kombi:
"Vem aí, a Kombi 2014, sem airbag e sem ABS".
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