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O Mundo em Movimento

De Aircross, em busca de água limpa

Joel Leite

15/05/2014 17h01

— À bordo do Citroën Aicross, fomos em busca das nascentes de água que abastecem a Cantareira, que está no nível crítico.
— Acompanhe a luta travada em Vargem (SP) pela recuperação da área de mananciais que alimenta São Paulo.

Se água é coisa rara hoje em São Paulo, quem dirá tomar água pura na nascente, direto na natureza. À bordo do Citroën Aircross partimos em busca desse desafio.

O carro não é um fora de estrada, portanto não é feito para aventuras radicais, mas os diretores da Ong Mata Ciliar garantiram que as condições das estradinhas de terra para chegar ao Sítio São José, distante pouco mais de dez quilômetros da cidade de Vargem, estavam em boas condições, pelo menos até a entrada do sítio. O resto do caminho, até a nascente que forma o Ribeirão dos Lima, teria que ser feito à pé.

O Ribeirão dos Lima é um curso d'água que desce o morro e desemboca no Jaguari, rio que forma o sistema Cantareira, responsável pelo fornecimento de água para a cidade de São Paulo. Mais na frente, o Jaguari se junta ao Atibaia, formando o rio Piracicaba.

Para chegar a Vargem rodamos quase 100 quilômetros a partir de São Paulo, pela rodovia Fernão Dias, o que é um prazer para quem gosta de dirigir, com suas curvas acentuadas e sua paisagem envolvente. O motor 1.6 do Aircross é suficiente para uma viagem tranquila, foi exigido em algumas oportunidades e não vacilou, mas falta um pouco de torque nas arrancadas. Ele não responde de imediatamente quando você enfia o pé sem dó no acelerador.

No trecho fora de estrada o carro se comportou muito bem, mantendo boa dirigibilidade no piso de terra e também nos trecho com cascalho.

Dona Joanirde e seu José Alves nos esperavam para mostrar os progressos obtidos no sítio após a intervenção dos agrônomos da Ong e da prefeitura de Vargem, que estão tentando, com o apoio financeiro da Tetra Pak, recuperar a área devastada e assim garantir a produção de água limpa para a cidade de São Paulo.

Dona Joanirde e seu José Alves 

Dona Joanirde foi até a cozinha e pegou uma caneca de alumínio; nós a seguimos, por uma picada no meio do mato que nos levou a uma nas nascentes. Foi há muitos anos a última vez que, levado por meu pai, bebi água assim, diretamente da natureza. Ele me ensinou que a terra, as folhas, os galhos de árvores, os alevinos, os microorganismos, nada disso é sujeira, ao contrário, indica a pureza da água. Saciei a sede e a saudade.

Dona Joanirde Aparecida e o seu marido, José Alves de Oliveira, integram o Projeto Nascente, que fazem do Sítio São José, em Vargem (97 km da Capital) uma referência na preservação nas nascentes e geração de água de boa qualidade por meio de gestão participativa dos recursos hídricos pela comunidade.

O projeto, da Ong Mata Ciliar, foi lançado no ano passado, portanto antes da crise de falta d'água em São Paulo, patrocinado pela Tetra Pak, que, entre outras coisas, financia o plantio de 16 mil mudas de árvores nativas para recuperar a mata ciliar no entorno de dez nascentes na região.

A casa do seu José e da dona Joanirde tinha uma fossa negra, hábito antigo das populações rurais em todo o Brasil, sistema que contamina o solo e polui as correntes de água subterrâneas, os lençóis freáticos, que são os formadores das nascentes. Ora, como garantir a boa qualidade da água com os moradores depositando o esgoto diretamente na natureza, sem qualquer tratamento? Impossível.

Por isso o Projeto Nascentes prevê a instalação de 30 conjuntos de biodigestores de tratamento de esgoto domésticos nas propriedades rurais ribeirinhas. Vinte já foram implantados, inclusive o da casa da dona Joanirde.

Na fossa negra, o esgoto é depositado diretamente no solo, enquanto na fossa séptica ele é recolhido num recipiente fechado, portanto sem contato com o solo, e processado de duas formas: a tradicional é o sistema de dois recipientes: as partículas sólidas permanecem no primeiro e o líquido segue para uma segunda fossa, que contém um filtro de pedras, areia a carvão, de forma que, ao entrar em contato com o solo, a água já esteja limpa. O problema é que esse tipo de fossa precisa ser limpa a cada três ou quatro anos e o resíduo cria outro problema ambiental: onde depositá-lo?

Por isso a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolveu o biodigestor instalado na casa da dona Joanirde, onde é usado esterco de vaca para diluir a matéria orgânica do esgoto doméstico. O sistema – que usa o princípio do rume do gado – elimina 90% dos vermes e bactérias e o resultado (o que sobra) é uma água rica em minerais, que o seu José usa como fertilizante na lavoura de café e banana.

Fossa Séptica

A topografia do Sítio São José é acidentada, afinal, as nascentes estão sempre num patamar mais alto; os primeiros fios d'água descem o morro, formam ribeirões e depositam as águas nos vales.

Você já ouviu a história das três avalanches…

"Fogo morro acima, água morro abaixo e mulher apaixonada, ninguém segura".

Imagine, então, o estrago que a enxurrada morro abaixo faz no solo quando este está devastado. A água carrega terra, folhas, ganhos de árvores, todo tipo de material orgânico, que é depositado nos rios, provocando o assoreamento, enquanto as terras da dona Joanirde perdem a força. empobrecem, tornam-se estéreis.

Por isso o Projeto Nascentes prevê também a construção de 200 bacias para a captação de água de chuva, chamadas "barraginhas". São buracos, redondos, em média com três a quatro metros de diâmetro e dois de profundidade. Servem para interceptar a água da chuva; calcula-se que 60% das águas fluviais são contidas por esse sistema, o que significa, no caso daquela região, 34 mil metros cúbicos por ano. Essa ação resolve de uma só vez dois problemas: evita a devastação ainda maior da área e o assoreamento dos rios e mantém a água no local, que é absorvida pelo solo e retorna aos lençóis freáticos, alimentando os aquíferos.

Engenheiro agrônomo Jorge Bellix, presidente da Mata Ciliar

O engenheiro agrônomo Jorge Bellix, presidente da Mata Ciliar, explica que a devastação da terra nos morros são a causa das inundações nos vales e planícies. Sem a proteção da vegetação natural o solo fica exposto e a terra, além de não conter a água da chuva, é levada pela enxurrada morro abaixo.

"Hoje cai aqui na região 1.400 mm de chuva ao ano – disse Jorge Bellix – nosso desafio é manter essa água na região; as cidades, que hoje estão impermeabilizadas com o asfalto e cimento, não têm condições de absorver a água, por isso ela tem que permanecer aqui na terra. Não adianta desassorear o rio Tietê. A solução está aqui em cima. Se as enxurradas forem contidas, os rios não serão assoreados".

O diretor de Meio Ambiente da Tetra Pak, Fernando Von Zuben, é mais objetivo na crítica à devastação dos morros e das matas ciliares, que teriam que garantir a boa qualidade do produto nas nascentes:

"A água é matéria prima, é assim que ela tem que ser vista. Mas a Sabesp trata a água como uma dádiva divina; trata a água como se ela viesse de Deus. A Sabesp precisa entender que é preciso pagar por essa matéria prima. Pagar para preservar a sua qualidade nas nascentes. Quer produzir matéria prima? Para isso é preciso preservar a mata e isso custa dinheiro, é preciso pagar por isso, pois a água é um bem finito, se não preservar, acaba".

Diretor de Meio Ambiente da Tetra Pak, Fernando Von Zuben bebe água da nascente

Fernando refere-se à necessidade de remunerar os donos das terras onde estão as nascentes, para que eles possam sobreviver sem destruir o meio ambiente, mantendo a mata nativa. Ele acha que é preciso ter uma política de pagamento para esses proprietários em troca da preservação.

E dá um exemplo que viu nos Estados Unidos: fazendeiros que vivem há 100 km de Nova York recebem US$ 100 mil por ano para garantir a boa qualidade das águas nas suas terras, mantendo a mata nativa, contendo a destruição provocada pelas enxurradas e preservando a mata ciliar, que evita o assoreamento das nascentes e ribeirões.

"O custo para a empresa de água para indenizar esses fazendeiros é menor no que o investimento que teria que ser feito para tratar da água, quer dizer: se produz água de melhor qualidade com menos dinheiro", revelou Fernando Von Zuben.

Água pura, protegida pelo trabalho dos ambientalistas

Além da água pura na nascente, Dona Joanirde e seu José Alves nos ofereceram bananas colhidas alí no sítio, sem veneno. Saboreamos as frutas na varanda da pequena casa de três cômodos, simples e sem nenhum luxo.

Quanto custaria manter essa gente no campo com dignidade? Muito pouco considerando os grandes benefícios que poderia proporcionar aos moradores da cidade.

Então, vamos fazê-lo.

Joel Silveira Leite

Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.

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