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Cananéia salva o boto; pescadores e turistas agradecem

Joel Leite

03/12/2012 12h59

— Projeto Boto Cinza preserva o mamífero brasileiro há mais de 30 anos
— Comunidade contribui para a preservação da natureza, que encanta a cidade e atrai turistas.

  Por Marina Leite Marques (*), especial para o ECOinforme

Os pescadores de Cananeia fizeram do boto cinza um amigo e parceiro nas pescarias. Parceiros de verdade, quase sócios. Ao fugir do boto, os peixes avançam no estuário que se forma entra o continente e a ilha Comprida e acabam confinados nos cercos construídos pelos caiçaras com galhos de árvores fincados na areia no fundo no mar.

Uma vez na armadinha, eles não conseguem mais fugir, tornando-se presa fácil para os pescadores, que têm o fruto da parceria no fim do dia.

Só por isso – uma parceria que produz resultados financeiros diretos – manter vivo o boto cinza da região de Cananeia já seria uma tremenda vantagem para os pescadores. Mas eles também sabem da importância do mamífero para a fauna local, tanto no ponto de vista da preservação ambiental quanto a de atração dos turistas, que podem apreciar, todas as tardes, o espetáculo da saída da água desses animais, que enfeitam o por do sol no mar e tornam o estuário um local privilegiado para quem gosta de apreciar a natureza.
Essa consciência não nasceu do nada. É fruto do trabalho do Projeto Boto Cinza, realizado por uma equipe de biólogos e técnicos em Cananéia e que tem o patrocínio da Petrobrás. Há 31 anos, os participantes do programa atuam junto à comunidade no sentido de alertar a população local sobre a necessidade de preservação desse importante mamífero brasileiro. Um trabalho meticuloso e perseverante, mas que já foi muito mais difícil, quando a ONG não tinha o apoio financeiro da Petrobrás.

"Usávamos as embarcações dos pescadores e estávamos sujeitos a sua boa vontade e possibilidade", disse Lisa Oliveira, uma das coordenadoras do projeto.

Agora o projeto conta com dois barcos e uma estrutura que permite o estudo da população de botos cinza no em torno do estuário, que hoje conta com 200 indivíduos. Todo o trabalho de acompanhamento é feito por seis coordenadores, 20 pesquisadores, uma auxiliar administrativa e um barqueiro com o apoio da comunidade local.

Quem é o boto cinza?

O Boto cinza (Sotalia guianensis) é um mamífero de pequeno porte da ordem Cetacea da família Delphinidae. O nome popular "boto-cinza" é proveniente da sua coloração acinzentada. Quando filhote, a parte ventral é rosada permitindo que se visualize a irrigação sanguínea, devido a pequena quantidade de gordura do animal nesse estágio da vida.

À medida que ele vai crescendo, a camada de gordura aumenta e a coloração passa de rosada para branca.  O boto-cinza nasce com aproximadamente 0,90 cm e pode chegar a 2,10 m quando adulto, pesando 120 kg. É encontrado no Oceano Atlântico e habita regiões costeiras, ocorre de Santa Catarina até Honduras.

O boto cinza gasta a maior parte do tempo à procura de alimentação, na captura das presas. Sua dieta é baseada em peixes de diferentes espécies e ele pode comer também camarões e lulas.  Após o nascimento, os filhotes alimentam-se de leite por aproximadamente um ano. São vistos frequentemente em grupos e existe um cuidado parental. Cada fêmea gera um único filhote por gestação, em média ocorre uma gestação a cada três anos. Essa espécie em vida livre vive aproximadamente 30 anos.

Seus predadores naturais são as orcas e os tubarões, mas hoje as maiores ameaças são decorrentes das ações humanas. Por habitarem regiões costeiras, são muitas vezes prejudicados devido à destruição dos manguezais para ocupação humana, poluição da água por componentes químicos que se acumulam nos tecidos, que debilita a saúde dos animais. O aumento do número de embarcações também interfere negativamente na comunicação e orientação desses animais, causando riscos de colisões, devido a pesca, o turismo indiscriminado e o esporte náutico, com o uso de  esqui aquático.

O boto cinza tem grande importância para a região de Cananéia, devido a diferentes aspectos, entre eles a atração turística, preservação do meio ambiente e como bioindicadores. O animal é considerado símbolo da região e enfeita o estuário com sua beleza, atraindo a atenção de moradores e turistas.

Boto ou Golfinho?

Essa dúvida sempre é levantada quando estamos falamos dessas criaturas aquáticas que encanta e enche os olhos de qualquer apreciador da natureza. Na verdade, boto e golfinho são dois nomes para o mesmo animal, que variam dependendo da região em que eles são encontrados.

Para os pesquisadores, a melhor maneira de identificar a espécie tratada é fazer uso do nome científico, que é o mesmo em qualquer parte do mundo.

Mas existe diferença entre golfinhos/botos   e baleias? Agora sim, existem algumas diferenças. Na verdade, todos fazem parte de um mesmo grupo, os cetáceos. Cetáceos são mamíferos aquáticos, que possuem respiração pulmonar. Os cetáceos são divididos em dois grandes grupos: os odontocetos (com dentes) e os mysticetos (sem dentes). Os odontocetos alimentam-se de presas maiores como peixes e lulas, têm um único orifício respiratório externo, caso do boto cinza, do golfinho rotador e da orca. Já os mysticetos alimentam-se de plâncton e pequenos crustáceos: o lugar dos dentes, eles têm estrutura que filtra o alimento. Geralmente é de grande porte e têm dois orifícios respiratórios externos, caso da baleia azul e da baleia Jubarte.

A histórica e charmosa Cananéia

A cidade de Cananéia, sede do projeto, é um povoado antigo e charmoso, localizado no litoral sul do Estado de São Paulo, divisa com o Paraná, no coração do Vale do Ribeira, região decretada pela UNESCO como parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade.

Cidade pacata, perfeita para quem busca tranquilidade e gosta de ficar em contato com a natureza. O cenário é montado pelo estuário (onde é possível observar de perto o boto cinza, um dos principais atrativos do local), manguezal, restinga e Mata Atlântica.

Cananéia possui uma grande importância histórica, foi fundada no período Colonial. No centro da cidade é possível visitar a Igreja Matriz de São João Baptista, construída em 1577 na Praça Martim Afonso, onde também estão instalados os canhões doados no período colonial.

O cenário fazcom que ovisitante viaje no tempo e imagine quando os portugueses iniciaram a colonização do País

"Cananéia é considerada por muitos historiadores a primeira cidade povoada do Brasil, apesar de não ser a primeira cidade fundada. Quem leva esse título é a cidade de São Vicente, informou a monitora ambiental e guia da cidade, Nany, que acompanhou o grupo na visita ao projeto Boto Cinza.

Cananéia destaca-se também pela culinária caiçara, proporcionando uma rica variedade de pratos, em sua maioria à base de pescado. É comum a tainha na brasa, o peixe defumado com banana e mexilhões cozidos e servidos na casca. Alguns alimentos, como banana frita, maçã desidratada, torta de palmito, geléias e até a tradicional Cataia na cachaça (folha típica da região), são encontrados na Feira do Produtor, na Rua Josino Carneiro, todos os sábados. Ótimo local para uma visita, oportunidade para conhecer os produtos da agricultura local.

À noite, é possível visitar a feira de artesanato no centro histórico. Frequentemente são feitas apresentações ao ar livre de fandango (música típica) e capoeira. A festa termina com um bom forró onde todos entram no clima caiçara.

É reconfortante encontrar projetos sustentados por profissionais que se dedicam à causa e por empresas que compreendem a importância da preservação ambiental. Mas é preciso expandi-lo. Presente em quase toda a costa brasileira, o boto cinza poderia ser o protagonista de um projeto nacional, tal como as tartarugas com o Projeto Tamar.

(*) Marina LeiteMarques, bióloga marinha, é colaboradora do site ECOinforme

Joel Silveira Leite

Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.

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