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O Mundo em Movimento

Americanos somos nós

Joel Leite

29/01/2013 15h10

Esses dias a polêmica sobre o uso do gentílico "estadunidense" para designar os nascidos nos Estados Unidos despertou a atenção de algumas pessoas e lembrei de um artigo que escrevi para a revista Showroom há algum tempo, que reproduzo aqui.

Um ouvinte da Rádio Bandeirantes questionou o tratamento que dou ao cidadão nascido nos Estados Unidos. Perguntou por que tratar os "americanos" de estadunidenses.

Não foi fácil tomar a decisão de usar "estadunidense" para designar o originário dos Estados Unidos. Além de questionar um tratamento arraigado na cultura brasileira, a palavra "estadunidense" é muito feia. Mas foi fácil explicar para o leitor: estadunidense é quem nasce nos Estados Unidos. Americanos somos todos nós: estadunidenses, mexicanos, brasileiros, argentinos, bolivianos, nicaraguenses.

Não se trata de uma simples questão semântica, mas de respeito à nacionalidade dos povos da América. Por que os estadunidenses teriam o direito de usar um nome que é de todos nós? Eles criaram um país sem nome e roubaram o nosso (me refiro, aqui, apenas ao roubo do nome).

Há quem não aceite a terminologia "americana" para o cidadão dos Estados Unidos, mas não tem coragem de grafar "estadunidense". Uma alternativa que tenho visto em alguns jornais é a referência aos irmãos do norte de norte-americanos. É verdade, eles são norte-americanos, assim como canadenses e mexicanos. Com que direito se autodenominam americanos ou norte-americanos? E o que sobra pra nós, americanos do Centro, do Sul e os demais americanos do Norte?

A designação do estadunidense como americano não é neutra, não nasceu do acaso. É uma designação pretensiosa, egoísta, preconceituosa.

Simbolicamente indica uma relação de poder, de subjugação dos demais povos americanos, uma relação de controle e mostra prepotência diante dos demais países do Continente.

Como ensina o professor e historiador Mário Maestri, "a palavra não é jamais neutra. Ela é forjada no contexto do mundo social, embalado por relações de poder, das quais constitui representação e simbolização, ainda que o falante possua, em geral, consciência muito frágil da origem social e ideológica da língua e da palavra das quais se serve".

Segundo ele, a apropriação do designativo "americano" pelos habitantes dos Estados Unidos é tão imprópria quanto seria a pretensão dos habitantes da Espanha à exclusividade da designação de "ibéricos", ou dos cidadãos da África do Sul exigirem o uso exclusivo do qualificativo "africano", por portarem o nome do continente no da nação.

A questão é de tal ordem que consideramos normal chamarmos os estadunidenses de americanos. Mas consideraríamos fora de propósito, hilário, se um boliviano se autodenominasse americano. Ora, ambos são americanos, mas além disso eles trazem a nacionalidade do seu país: um é boliviano e o outro é… estadunidense, ora. Quem mandou nascer num país sem nome?

Com raras exceções, a imprensa brasileira segue a regra e se submete a essa designação excludente, segregadora, discriminadora, arrogante.

É uma submissão muitas vezes não percebida e por isso aceita.

Um amigo que mudou para Portugal, dizia, ironicamente – instigando o preconceito – que morava "quase na Europa". É como às vezes me sinto: um "quase americano", porque a imprensa, a sociedade, quer nos impor esse apartheid semântico/político. Os estadunidenses querem nos roubar (também) a nacionalidade. Não podemos permitir.

Joel Silveira Leite

Joel Silveira Leite é jornalista e pós graduado em Semiótica e Meio Ambiente. Diretor da Agência AutoInforme, responde pelos sites AutoInforme e EcoInforme. Apresenta o Boletim AutoInforme nas rádios Bandeirantes, Band News e Sulamérica Trânsito. É colunista em várias publicações.

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